Num mundo em que a comunicação é feita por tuítes e mensagens eletrônicas,  você apresentar um texto mais complexo parece uma sandice. Três entre dez leitores não vão entender. Mas a causa não é a tecnologia. A causa é a baixa qualidade do ensino, porque o aumento da escolarização no Brasil não foi suficiente para assegurar aos alunos o domínio de habilidades básicas de leitura e escrita. A primeira preocupação dos governos recentes foi com a quantidade, com a inclusão de mais alunos nas escolas, para ficar bem na fita nas pesquisas da ONU sobre a quantidade de estudantes no país.

O resultado dessa política educacional visando apenas ter milhões de alunos se reflete lá na frente, nos cursos superiores, como demonstra o vídeo acima: entre os estudantes do ensino superior, 38% não dominam habilidades básicas de leitura e escrita. Minha sobrinha, que é professora universitária, vem identificando isso já há alguns anos.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), cerca de 30 milhões de estudantes ingressaram nos ensinos médio e superior entre 2000 e 2009. Para a diretora do Instituto Paulo Montenegro, Ana Lúcia Lima, o aumento foi bom, pois possibilitou a difusão da educação em vários estratos da sociedade. No entanto, a qualidade do ensino caiu por conta do crescimento acelerado.”Algumas universidades só pegam a nata e as outras se adaptaram ao público menos qualificado por uma questão de sobrevivência”, comenta. “Se houvesse demanda por conteúdos mais sofisticados, elas se adaptariam da mesma forma”, fala.

Para a coordenadora-geral da Ação Educativa, Vera Masagão, o indicativo reflete a “popularização” do ensino superior sem qualidade: “No mundo ideal, qualquer pessoa com uma boa 8ª série deveria ser capaz de ler e entender um texto ou fazer problemas com porcentagem, mas no Brasil ainda estamos longe disso.” Segundo ela, o número de analfabetos só vai diminuir quando houver programas que estimulem a educação como trampolim para uma maior geração de renda e crescimento profissional.

Entretanto, o analfabetismo funcional constitui um problema silencioso e perverso que afeta as empresas profundamente. Não se trata de pessoas que nunca foram à escola, veja bem. Elas sabem ler, escrever e contar; chegam a ocupar cargos administrativos, mas não conseguem interpretar e associar informações. Bons livros, artigos e crônicas, então, nem pensar! São pessoas que preferem ouvir explicações da boca de colegas. Entretanto, diante do chefe,  fingem entender tudo, para depois sair perguntando aos outros o que e como deve ser realizado tal serviço. E quase sempre agem por tentativa e erro.

Calcula-se que, no Brasil, os analfabetos funcionais somem 70% da população economicamente ativa. No mundo todo há entre 800 e 900 milhões deles. São pessoas com menos de quatro anos de escolarização; mas pode-se encontrar, também, pessoas com formação universitária e exercendo funções-chave em empresas e instituições, tanto privadas quanto públicas! Elas não têm as habilidades de leitura compreensiva, escrita e cálculo para fazer frente às necessidades de profissionalização e tampouco da vida sócio-cultural.

A queda da produtividade provocada pela deficiência em habilidades básicas resulta em perdas da ordem de US$ 6 bilhões por ano no mundo inteiro. Por que? Porque são pessoas que não entendem sinais de aviso de perigo, instruções de higiene e segurança do trabalho, orientações sobre processo produtivo, procedimentos de normas técnicas da qualidade de serviços e negligência dos valores da organização empresarial. 

Aqueles “problemas inesperados” que abalam a imagem das empresas estão quase sempre associados à falta de compreensão de procedimentos escritos em manuais. Um defeito no chip Pentium da Intel levou-a a substituir o produto no mercado. Um número desconhecido de cápsulas de Tylenol contaminado com cianureto matou oito pessoas nos Estados Unidos; a Johnson & Johnson retirou todos os frascos do mercado americano com prejuízo de US$ 100 milhões!

Na Alemanha, essa questão surpreendeu.

Ler e não compreender, escrever apenas o próprio nome, ou escrever as palavras de forma errada com base no que se escuta, características do analfabetismo funcional bem conhecidas entre a população brasileira,  também fazem parte da vida de um grupo de 4 milhões (ou 6% da população adulta alemã) segundo estimativas do fundador e diretor da Associação Federal de Alfabetização e Educação Básica da Alemanha Peter Hubertus.  ‘’Este tema surpreende porque a educação básica é obrigatória há décadas na Alemanha. Sendo assim, como entender que pessoas que frequentaram a escola não aprenderam? Mas esta é uma realidade. A qualidade da educação piorou”.

“Não há um nível fixo de competências, o analfabetismo funcional é um conceito relativo. É como a pobreza. Há diferença entre a pobreza em Bangladesh e a pobreza na Alemanha. Quando o conhecimento da leitura e da escrita de uma pessoa é menor do que se exige na sociedade em que ela vive, ela é analfabeta funcional’’, explicou. No caso da Alemanha, não existe um emprego em que não se exija leitura ou escrita.

E o analfabeto funcional sofre com outro agravante: tem vergonha da situação,  pois sente-se na obrigação de explicar por que não aprendeu. Ele costuma esconder o jogo: se tem que ler, finge que esqueceu os óculos; se tem que preencher um formulário, finge que está com um problema no braço e pede a alguém que preencha.

Peter Hubertus afirma que programas voltados apenas para as crianças não resolvem o problema, porque a alfabetização deve ser um valor da família. Ficou demonstrado através de estudos na Alemanha que, quando o aluno chega à escola aos seis anos sem uma base educacional, os professores não conseguem reverter a situação. “São famílias onde os pais não leem para os filhos, onde se assiste programas ruins na televisão, onde não há livros, onde não se valoriza a educação. Trata-se de uma herança social da desvantagem. É preciso investir nos adultos para ver resultados nas crianças, pois este é um círculo vicioso”.

 

 

 

Fontes:

http://www.geracaobooks.com.br/
http://www.guiarh.com.br/
http://www.cartacapital.com.br/

 

4 respostas para “Os prejuízos do analfabetismo funcional”.

  1. Avatar de Antonio Meia Casa
    Antonio Meia Casa

    Parabéns pelo texto, quando aborda um tema complicado que é a educação, porém, com uma linguagem clara, que até um analfabeto funcional, quase entende. O cenário caótico que estamos vivendo, com uma crescente degradação, retrata a falta de planejamento que é a ausência de educação.

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  2. Avatar de María Maura Santiago
    María Maura Santiago

    Tive a sorte de estudar naquele tempo que o ensino público era bom. ….
    Voltei a estudar após 30 anos ,e vejo a dificuldade das gerações que vieram depois . coitados!!

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