Mickey, Tinker Bell e Peter Pan apareciam em comerciais de TV

Você sabia que, na década de 1950, os personagens Disney apareciam em comerciais de televisão? Cinderela, Grilo Falante, Mickey, Alice, Peter Pan, Pato Donald e muitos outros podiam ser vistos anunciando carros, gelatina e manteiga de amendoim.
O que ocorre é que, naquele período, o estúdio estava atolado em dívidas. A Segunda Guerra Mundial havia penalizado duramente o estúdio, não apenas porque não havia cinemas para exibir seus filmes e desenhos no resto do mundo, mas também porque diversos animadores haviam sido convocados para lutar nas Forças Armadas de seu país, prejudicando a força de trabalho. Ou seja, na retomada pós-guerra, não havia artistas suficientes para trabalhar nas novas produções, que demoravam muito mais para serem completadas, atrasando os lançamentos e, portanto, esvaziando o caixa.
Outro fator para essa situação financeira muito difícil era o novo projeto de Walt, que fazia seu irmão Roy arrancar os fios de cabelo: a Disneylândia. Onde arrumar todo esse dinheiro para construir esse parque?

Walt, finalmente, conseguiu o financiamento para erguer seu parque e continuar produzindo filmes e animações, mas o dinheiro continuava curto, principalmente para seu mais novo projeto… Ele queria um programa semanal de TV que mostraria tanto seus filmes e curtas antigos quanto novos shows e desenhos especialmente produzidos. Além disso, ele planejava alguns programas mostrando seu parque Disneyland, as atrações, o andamento da construção e, finalmente, um programa inteiro transmitido ao vivo no dia da inauguração.
Foi quando surgiu a ideia de colocar seus famosos personagens a serviço de comerciais de TV – mesmo que a contragosto de Walt, que não queria o Mickey associado a produtos de terceiros… Mas o caixa gerado por esses filmetes seria muito bem-vindo para Roy…
É neste momento que surge uma figura crucial para esse novo negócio do estúdio, a área de comerciais.
O nome dela era Phyllis Zane Bounds, sobrinha de Lillian, esposa de Walt. Phyllis era conhecida por beber muito, fumar um cigarro atrás do outro, falar muitos palavrões, trabalhar duro, e ser teimosa demais.

Ela não era uma mulher com quem se pudesse brincar, de forma alguma. E toda a sua vida esteve ligada à Disney e à animação. Trabalhou no Departamento de Pinturas do estúdio, inclusive em Dumbo (1941). Nesse mesmo ano ela se divorciou do primeiro marido, quando começou um caso com o fotógrafo George Hurrell, que era casado.
Em 1943, casou-se com ele quando George se divorciou e, no começo dos anos 1950, reconectou-se com seu tio Walt, ao saber que ele pensava em entrar naquela nova mídia, a televisão.
O novo marido da sobrinha, George Hurrell, tinha experiência em fazer comerciais de televisão, e a fome (a ideia de comerciais produzidos especialmente pelo estúdio) e a vontade de comer (um profissional do ramo) se juntaram. Da negociação com Roy Disney veio a criação da Hurrell Productions. Localizada no próprio estúdio, eles produziriam comerciais com animadores da Disney e usando os personagens da casa. E também, numa segunda linha, comerciais especialmente criados para terceiros, mais um motivo que fazia Walt torcer o bigode.
O animador Tom Oreb foi contratado para redesenhar os personagens da Disney e torná-los mais fáceis de animar. Com esse novo recurso à mão, foi mais fácil oferecer serviços aos patrocinadores da Disneylândia – o programa semanal de TV estreou em outubro de 1954 como “esquenta” do parque, inaugurado em julho de 1955.
Um desses parceiros era a Swift’s Derby Foods, fabricante da Manteiga de Amendoim Peter Pan.

Para o parceiro, foram criados diversos comerciais de TV com o recém-lançado longa metragem de animação “Peter Pan”, estrelados por todos os personagens do filme, especialmente a Tinker Bell.
Abaixo, a folha de modelos para os animadores trabalharem com a personagem nesses comerciais.

Neste comercial abaixo, estão todos lá, inclusive o temível Capitão Gancho. Além de um dos comerciais criados sem os personagens clássicos.
Em 1955, um comercial para o automóvel Nash causou polêmica, porque era estrelado pelo Mickey e pela Minnie, mas… com aquela “cara” estilizada e simplificada, como mostrei na abertura deste artigo.
Tomo emprestado o que o colega Celbi Pegoraro* comentou em seu blog:
(…) É de um comercial produzido pela Disney em 1955 para promover o automóvel Nash. A peculiaridade do comercial é o estilo visual do Mickey Mouse. Com novo design criado por Tom Oreb, Mickey ganhou os famosos traços modernos muito comuns na publicidade da década de 1950. Segundo o blog Cartoon Brew, Victor Haboush fez o design dos cenários e comentou uma história curiosa sobre o que aconteceu após o comercial ser exibido.
Segundo Haboush, um garoto costumava escrever a Walt Disney para que ele se distanciasse da arte moderna porque ela seria Comunista. Quando o comercial foi exibido, Walt recebeu outra carta do garoto, dizendo que ele estava desapontado argumentando o que teria acontecido com ele para permitir um comercial desse jeito. Walt ficou maluco e desde então proibiu o uso de qualquer personagem Disney em comerciais. A equipe no estúdio ficou desapontada porque isso significava o fim da unidade de produção, ainda mais numa época em que as empresas buscavam artistas de Hollywood para estrelar os comerciais, e também os personagens animados.
A Hurrell Productions, que vinha sendo dirigida pela Phyllis desde 1954 com mão de ferro, acabou sendo dissolvida em 1959 por vários motivos, incluindo o fato de Walt estar insatisfeito com o uso de personagens clássicos da Disney em comerciais – como comentado acima – e a animação limitada da qual ele não não gostava mas que, por causa dos custos, precisava ser usada para serem competitivos no mercado.
Além disso, Walt dizia que, mesmo que os comerciais – incluindo os feitos para terceiros e sem seus personagens clássicos – trouxessem o tão necessário dinheiro para suas novas ideias, não agregavam valor.
Seja como for, a contribuição dessa produtora, tanto para as finanças do estúdio quanto para a história da propaganda na televisão, foi marcante.
*Celbi é Jornalista, Pesquisador de Comunicação, Mídia e Cultura, Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (2016).
Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP (2007) e pós-graduado (Especialização) em Política e Relações Internacionais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (2010).
Fundador e editor do website Animation Animagic, pioneiro em notícias e informações do cinema de animação no Brasil. Atualmente produz um canal no Youtube (Animagic+).


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