
A fantasia em torno de carros voadores vem cativando a humanidade há décadas, incentivada por histórias em quadrinhos, livros de ficção científica, programas de TV e filmes. Mas acho que o conceito caiu no gosto popular com o desenho dos Jetsons, em 1962. Além de possuir uma criada-robô e outras engenhocas, a família se deslocava num carro voador com capota de vidro em forma de bolha.
Claro que esse conceito não foi criado no desenho animado. A ideia de carros voadores, com ou sem capotas-bolha, já aparecia em diversas ilustrações de artigos em revistas ou em contos de ficção-científica das décadas de 1930, 1940 e 1950, onde se procurava antecipar como seriam os veículos do “ano 2000”. As amostras abaixo exemplificam o que se imaginava então.
Até Ian Fleming, o criador de James Bond (o agente 007), se aventurou nesse tema em seu livro infantil de 1964 Chitty Chitty Bang Bang, que mais tarde virou um filme musical de grande sucesso. Na história, um excêntrico inventor cria um carro extraordinário, que voa e flutua, conduzindo os heróis a um mundo de aventuras.
Aliás, o cinema é pródigo em carros voadores, e vou citar apenas dois dos mais conhecidos, o de Harry Potter e, claro, o DeLorean de De Volta Para o Futuro.
Mas, voltemos à realidade dos carros voadores. Os designers e os engenheiros da indústria automotiva nunca pensaram nisso? Não é verdade, embora a ideia de encher os céus com máquinas pilotadas por qualquer pessoa seja bastante amedrontadora. E não se pode negar que houve tentativas corajosas. Em 1947, um ConvairCar Model 118 foi fotografado durante um teste de voo perto de San Diego, mas nunca chegou a ser produzido em série.
O problema era essencialmente uma questão de peso: nas pistas, a “metade avião” do veículo enfrentava uma enorme resistência do ar; no céu, a “metade sedã” dificultava as manobras… Mas essa tentativa frustrada não desanimou a Terrafugia, uma empresa sediada hoje em Massachusetts: em 2013, eles exibiram o protótipo de seu carro voador, o Transition.
O grande problema é que a realidade de colocar um carro para voar nunca parece tão bacana quando os protótipos são apresentados. A exceção parecia ser o Aerocar, dos anos 1960: uma maquininha simples que encolhia as asas ou simplesmente as deixava na garagem.
O modelo parecia tão convincente que até alguns planos para a construção de rodovias interestaduais americanas levavam em consideração acomodar carros voadores: os primeiros rascunhos mostravam uma pista de decolagem ao lado da estrada. Porém, o carrinho era difícil de pilotar no ar e custava tão caro quanto… um avião!
Ainda assim, o apelo de ser o pioneiro continua sendo muito grande para qualquer montadora. Dizem que os engenheiros da Toyota estariam elaborando um carro que não exatamente voaria, mas seria capaz de flutuar a poucos centímetros do solo, reduzindo o atrito e economizando combustível. Enquanto isso, a Volkswagen da China propôs uma cápsula de dois assentos com levitação magnética, inspirada no trem Mag-Lev que liga o centro de Xangai ao aeroporto. Assim como o projeto da Toyota, o objetivo da VW é reduzir o atrito para melhorar a eficiência energética.
Até o Larry Page, fundador do Google, criou uma empresa para produzir um carro voador, cujo protótipo se vê na foto acima e está em fase de testes… se bem que se parece mais com um drone do que com um carro…
Mas, afinal , onde está o carro prometido pela ficção há tantas décadas?
Muitos céticos dizem que ele nunca irá existir, e enumeram várias razões, algumas das quais detalho a seguir. A primeira é a dificuldade de pilotar o veículo, um misto de carro e avião. Imagine o painel de um carro:
Qualquer pessoa reconhece os elementos da imagem acima. O volante, o câmbio, o freio e acelerador, a ignição, o velocímetro… Mesmo que a pessoa nunca tenha dirigido um carro, ela tem uma noção da operação básica… dá a ignição, coloca a marcha, freia etc.
Este é o painel de um avião.
Tem tanto botão que tiveram que colocar o resto no teto… tamanha é a complexidade de manobrar um aparelho desses e colocar o bicho no ar! Imagine a quantidade de motoristas idiotas que temos por aí atrás de um manche em vez de um volante!
Imagine a catástrofe que seria! E esse é o segundo motivo porque não teríamos carros voadores. Se um acidente de carro “normal” pode ser assim…
… um acidente “normal” com carros voadores seria algo assim:
Os pequenos vacilos com um carro se resumem em lataria amassada e uma vergonha imensa pelo mico. Mas, com um carro voador, a coisa pode ser bem diferente. Sim, aviões são mais seguros que um carro por causa de fatores dos quais carros voadores não gozariam — aviões não são um meio de transporte “popular” (no sentido de que não é qualquer pessoa que pode sentar num cockpit e sair voando), e existem muito menos aviões no céu do que carro no asfalto. Os carros sempre baterão mais que aviões simplesmente porque existem mais carros que aviões — e porque sua operação, por não ser acessível a qualquer um, passa por rigorosíssimas etapas de manutenção e controle.
Imagine aqueles motoristas malucos nas estradas sobrevoando a sua casa e fazendo barbeiragens no céu!
E a terceira razão pela qual não haverão carros voadores é talvez o argumento mais utilizado pelos defensores dessa ideia: não haveriam mais os congestionamentos!
Todo mundo preso na estrada debaixo de um sol escaldante e com vontade de ir ao banheiro já pensou em “como seria legal apertar um botão e o carro sairia voando por cima de todo mundo!”.
Sem chance. O vôo VTOL, ou Vertical Take Off and Landing, é quase que completamente inviável. Não é à toa que só existem três aviões atualmente que fazem uso dessa tecnologia: o Harrier (foto abaixo), o F-35 e o V-22 Osprey — este último sendo notoriamente inseguro.
Existe um bom motivo pelo qual a tecnologia VTOL se resume a aplicações militares: ela não é prática. Além de caríssima. A sua fantasia de apertar um botãozinho e seu carro sair decolando por cima dos outros carros jamais se realizará…
Bem, apesar de todos esses contras, ainda tem gente acreditando nessa alternativa de transporte. Lembra da Terrafugia, a empresa americana que citei lá em cima? Pois bem, a fabricante de carros chinesa Geely anunciou um acordo com eles para o desenvolvimento de um carro voador. E a promessa é que no ano que vem teremos o primeiro carro voador “acessível” e fabricado em escala.
Será que as estrelas vão se alinhar e permitir que um carro voador viável e elegante comece a ser produzido, abrindo caminho para um novo meio de transporte?
ATUALIZAÇÃO
As datas foram postergadas… Agora, a chinesa Geely (dona da Volvo) e os demais competidores na “corrida pelo primeiro carro voador” falam entre 2023 e 2028… Os concorrentes são a parceria Uber-Hyundai, a alemã Daimler, a Boeing e as já comentadas Toyota e Google…
Há também empresas menores, como a holandesa Pal-V, que promete entregar no segundo semestre de 2020 seu “carro-voador” (é mais um girocóptero) por $ 500 mil dólares na versão Sport.
Fontes:
Youtube
virgula.com.br
BBC News
hbdia.com
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