Estava eu lá a discutir com a Clene Salles o motivo de antes vampiros, e agora zumbis, serem os “heróis” do momento (vide o sucesso do seriado “Walking Dead” ou daquele filme com Brad Pitt, “Guerra Mundial Z”) e uma das hipóteses que levantamos foi que as pessoas hoje vivem uma meia-vida, como meio-vivos, vampirizando nas outras e nas coisas aquilo que elas precisam e não possuem.
Entender esse fenômeno é importante para mim – talvez não para você que me lê, não sei – porque eu quero me situar no mundo em que vivo, nem que seja um mundo povoado por zumbis…
O que é essa meia-vida?
Hoje, a sociedade vive um momento de controle. Pense bem: não é um controle exercido apenas pelos governos, mas um controle geral, um controle das pessoas sobre as pessoas e das instituições sobre as pessoas. Às vezes, é um controle explícito de sua opinião (a “esquerda caviar” não aceita a opinião do “coxinha” e vice-versa; o membro da torcida organizada do Palmeiras não aceita o outro ser torcedor do Santos, e esse controle muitas vezes descamba em violência). Há também o controle da mídia, há o controle das empresas que fazem os produtos que consumimos.
É como se fosse uma “lei” não escrita, que nos controlasse e nos obrigasse a alimentar a nossa necessidade de pertencer a algum grupo, e para isso temos que consumir. Consumir seja o que for: pode ser sapatos, carros, o shake de Ovomaltine, o último seriado da Netflix… Não importa.
Seria uma lei que nos controla por meio do consumo desenfreado de mercadorias de todos os tipos. Porque somos medidos pelo que consumimos.
Concorda?
Por exemplo, eu não consumo programas de TV. Raramente assisto a um seriado e, se não fosse minha filha, nem teria acesso ao Netflix (hoje, tenho). Pois bem, até pouco tempo, numa roda de amigos, eu me sentia um náufrago porque não sabia do que eles estavam falando ao comentar sobre o seriado “Stranger Things”. Geralmente, me sinto abaixo de zero nessas conversas, me sinto à margem, sou alijado, fico sozinho.
E para não me sentir tão “alien”, consumo.
Como o homem é finito, ele precisa de alguma coisa que justifique a sua existência, e na ausência de algo abstrato (como a fé, por exemplo, que foi de certa forma “negada” por aquele Papa anterior ao argentino, ao renunciar), o homem moderno elegeu o consumismo como sua justificativa “para viver”.
Controlado por essa “lei do consumo” que regula sua vida, ele passa a ser medido tanto pelo que consome quanto pela velocidade com que faz isso. A “lei” nos diz que a felicidade está no novo perfume, no novo seriado, em frequentar o novo restaurante ou comer a nova “tapioca gourmet”… Somos mais bem aceitos pela tribo da qual fazemos parte quanto mais rápido consumirmos tudo que nos é oferecido.
(foi o que aconteceu no episódio do seriado “Stranger Things”: passei a ser olhado e aceito como um cara normal depois que assisti – e comentei – alguns episódios… Mas não contem pra ninguém que ainda não fui até o fim!)
Nós então consumimos, mas por dentro continuamos vazios (a tal meia-vida) uma vez que nenhum produto, nenhum programa de TV, nenhuma torcida organizada de clube de futebol preenche nosso vácuo existencial. Vivemos para consumir, mas descobrimos que isso não nos preenche – porque essa voracidade é artificial e imposta, ela não explica porque estamos no mundo e ela mesma acabará consumindo o mundo no qual se abastece, se o seu estoque de “alimento” acabar.
Como zumbis, então, vagamos meio-vivos nessa meia-vida, devorando o que aparecer pela frente na ânsia de justificar a nossa existência, que – segundo aquela lei não-escrita – é feita para consumir…
Por isso tanta gente se identifica inconscientemente com os mortos-vivos do seriado, vagando sem rumo e devorando tudo, numa vã tentativa de aplacar a fome que nunca será satisfeita.
Nelson Rodrigues, para nos provocar, criou a frase de efeito: “Toda unanimidade é burra”. Eu acho que pode ser burra, sim. É burrice você obedecer cegamente a uma ordem que vem não se sabe de onde e não se sabe para qual fim.
É burrice comprar um livro só porque ele foi escrito por um youtuber, ou pagar R$ 50,00 por um sanduba só porque ele está sendo vendido no food-truck. E a “tapioca gourmet”? Não é burrice consumi-la depois que alguém lhe disse que ela é mais chique do que a tapioca da feira?
A unanimidade “inteligente” requer o direito de questionar.
Depois de toda essa reflexão, concluí que não sou um zumbi total, afinal, zumbis não pensam.
Seria eu um caçador de zumbis?
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