
A Netflix lançou recentemente a segunda temporada de seu seriado de enorme sucesso, “Narcos”, no qual Wagner Moura faz (e muito bem!) o papel do traficante colombiano Pablo Escobar. Para quem ainda não tem Netflix, esclareço que a série conta a história da propagação da cocaína nos Estados Unidos e na Europa, graças à droga do Cartel de Medellín, liderado por Pablo Escobar, enquanto dois agentes da DEA (Drug Enforcement Administration dos Estados Unidos) estão liderando uma missão para capturar e, consequentemente, matar o chefão das drogas.
É uma série de ação, e não um documentário, e por isso eles dramatizaram alguns episódios, criaram alguns personagens e “adaptaram” alguns momentos da vida de personagens reais, tudo em nome da liberdade artística. Foi exatamente por essa “liberdade artística” que, apesar dos elogios de público e crítica no mundo inteiro, certos historiadores apontaram erros factuais.
Por exemplo, entre os dias 6 e 7 de novembro de 1985, mais de cem pessoas, entre elas a cúpula da Suprema Corte, morreram quando o grupo guerrilheiro M19 invadiu o Palácio de Justiça em Bogotá. Em “Narcos”, a invasão ocorre a pedido e é financiada pelo dinheiro de Escobar, que quer destruir provas contra ele guardadas no local.
Mas esta versão, apesar de ter sido aventada na época e constar no livro do ex-líder paramilitar Carlos Castaño, não é comprovada.

O Tribunal Especial que investigou o atentado concluiu que “o M19 atuou sozinho”. Essa revelação foi uma surpresa, porque a versão mais corrente é a de que o grupo tinha apoio financeiro de Escobar. Segundo essa versão, e que provavelmente inspirou os roteiristas da série, a ação do M19 tinha, oficialmente, o objetivo de punir o presidente Belisario Betancur, que consideravam um traidor das negociações de paz.

Outro que apontou inverdades foi o filho de Escobar, Juan Sebastian Marroquín Santos, que adotou esse nome depois da morte do pai. Ele vive reclamando, dizendo que o pai não foi tudo aquilo que a série mostra… Embora fosse criança quando tudo aconteceu, e essa imagem idealizada do pai talvez seja resultado disso.
Por falar na família, eles estão vivos e por aí. Veja só:
Mesmo tendo sido morto em dezembro de 1993 por forças policiais, com o auxílio do governo norte-americano, a família de Pablo Escobar ainda carrega um carga emocional extremamente densa, por conta desse sobrenome. Afinal, Escobar arquitetou e organizou simplesmente o maior cartel de drogas do mundo, o que lhe rendeu poder e muito (muito dinheiro). Escobar chegou a ser considerado, em 1989, o sétimo homem mais rico de todo o mundo, com um patrimônio estimado em US$ 25 bilhões!
Mas, depois que foi capturado e eliminado, todo esse dinheiro ficou nas mãos do cartel de Cali, concorrente do cartel de Medellín, ou com as autoridades. O agravante, na minha opinião, é que os filhos dele tinham então 9 e 14 anos…
Após a morte de Escobar, a família se mudou para a Argentina, que lhes concedeu asilo, e autorizou que eles tivessem novas identidades, para maior segurança. Mais de 20 anos se passaram e a identidade deles foi colocada em evidência novamente.

Maria Isabel Santos Caballero (a nova identidade de Maria Victoria Henao Vellejo) teve a árdua missão de esconder sua identidade e de seus filhos, além de ter batalhado por um grande período de tempo em busca de asilo, finalmente concedido para eles poderem viver em Buenos Aires.
Ela conheceu o chefe do narcotráfico quando tinha apenas 13 anos, enquanto ele estava com 24. Logo começaram a namorar, casaram-se quando ela fez 15 anos e viveram uma vida de luxo, perigos e ostentação. Mas a vida de Tata, apelido de Maria Victoria, após a morte do marido, é cheia de zonas cinzentas, com fatos ainda meio obscuros.
O que se sabe é que, desde 1993, ela temia que o grupo paramilitar Los Pepes atentasse contra os familiares. E foi então que uma via-crucis começou: eles queriam ir para os Estados Unidos, mas não puderam sair do país. Finalmente, quase um ano depois, se mudaram para a Costa Rica, mas o governo os convidou a ir embora. As autoridades colombianas voltam a proteger a família, depois que um atentado contra a viúva e os filhos não teve sucesso.
Finalmente, em 1995, eles apareceram na Argentina já com nova identidade, e pouco a pouco se descobriu com que dinheiro eles viviam por lá.
Em 1995 ainda, ela conheceu um contador e, no ano seguinte, Tata comprou um belo imóvel em Buenos Aires… Em 1997, esse contador descobriu a identidade real da família e começou a extorqui-los. E tudo começou a se enrolar novamente… A viúva entrou com uma ação judicial contra o contador, acusando-o de tê-la roubado, e também contra o governo colombiano, pleiteando a herança de Escobar (pelos bens que não estavam em nome dele, como, por exemplo, um luxuoso edifício no bairro mais nobre de Bogotá)!
A confusão aumentou. No final de 1999, ela e seu filho foram presos, acusados de lavagem de dinheiro. Sua fortuna então era estimada em mais de 1 milhão de dólares. O que se dizia na ocasião é que, no luxuoso apartamento de cobertura onde viviam, tendo 4 empregadas à disposição, eles coordenavam a lavagem de dinheiro da droga que vinha do Uruguai. E, com o dinheiro arrecadado, compravam e vendiam imóveis.
Tudo veio à público por causa do processo contra o contador (e amante) de Maria Victoria. A senhora alegava ter uma renda de 5.000 dólares como designer de moda e que cada filho recebia uma mesada de pouco mais de 500 dólares. Mas, então, de onde vinha todo o dinheiro para sustentar sua vida luxuosa na capital argentina? Ela justificava que vinha da família, de uma herança do pai e da ajuda de amigos.
O fato é que, dois anos depois, eles foram absolvidos da acusação de lavagem de dinheiro por falta de provas…
Juan Sebastian Marroquín Santos (Juan Pablo Escobar Henao) herdou nitidamente as características físicas do pai. Entretanto, pessoas próximas ao arquiteto Juan disseram que o filho mais velho de Pablo Escobar é extremamente pacifista, por mais que ele assuma veementemente a admiração franca que sentia pelo pai narcotraficante.
Hoje ele está casado, é pai de uma filha e, mesmo ainda muitas vezes alegando que os malfeitos paternos foram exagerados pela mídia e por seus detratores, ele produziu e lançou um filme sobre o ex-barão do tráfico chamado “Pecados de mi Padre”, em parceria com a mãe e duas vítimas diretas dos assassinatos cometidos por Escobar, promovendo assim uma reconciliação com o passado.

Juana Manuela Marroquín (Manuela Escobar Henao) era a queridinha do pai. Pablo Escobar adorava Manuela, e fazia tudo para atender aos sonhos dela. Quando a menina tinha 2 ou 3 anos, perguntou se unicórnios existiam, porque queria um. Como o barão não teve como comprá-lo, simplesmente mandou que o fizessem! Um dos asseclas pegou um dos cavalos da fazenda gigantesca de Escobar e costurou um chifre de vaca na sua testa. A menina adorou, e nem percebeu que, dias mas tarde, o animal morreu por causa de uma infecção causada por aquela cirurgia improvisada.
Manuela tem hoje 31 anos, e sua vida depois que o pai foi morto permanece uma incógnita. Ela teve uma vida tranquila na Argentina graças ao anonimato, fez amigos em um colégio em Buenos Aires e até tomava ônibus para ir à escola, algo muito diferente do que podia fazer na Colômbia, onde vivia cercada de seguranças.
Manuela tinha muito talento para cantar, e o Secretário de Cultura de Buenos Aires inclusive a convidou para participar do coral que ele dirigia. Mas, quando em 1999 tornou-se público que eles eram a família do barão da droga, esse sonho se desfez. A mãe e o irmão foram presos e ela, por ser menor de idade, ficou em liberdade. Mas o golpe foi tão duro que Manuela não quis mais sair de casa e abandonou o colégio. Passou a ter aulas com professores particulares no apartamento onde morava , como quando era criança e Escobar a mantinha em um bunker para protegê-la.
Manuela foi a que mais sofreu quando descobriu de quem era filha. O sobrenome Escobar tem sido, durante décadas, como uma letra escarlate em sua testa, refletindo toda a dor e a crueldade do Cartel de Medellín.
Ela acreditava que seu pai fosse uma espécie de super-herói do bem, o melhor homem do mundo. A cada dente de leite que caía, Escobar deixava sacos com milhares de dólares debaixo do travesseiro da filha. Com 5 anos de idade, Manuela tinha tanto dinheiro que pensou ter ganho seis vezes o maior prêmio da loteria… O pai a fazia crer que a menina possuía poderes mágicos…
Em uma entrevista para a revista argentina Don Juan, seu irmão, Juan Sebastian hoje, conta que o amor de Pablo pela filha era tanto que um dia queimou dois milhões de dólares para evitar que a menina morresse. “Em uma ocasião”, diz ele, “a família ficou encurralada em uma casa de fazenda em uma das montanhas que cercam Medellín, e a região estava isolada pela polícia. Eles tinham fugido sem provisões e o frio estava causando um forte impacto em todos. Ao amanhecer, a hipotermia começou a afetar Manuela. Tudo que eles tinham em casa eram sacos com dois milhões de dólares e meu pai decidiu fazer uma fogueira com eles para evitar que congelássemos”. (esse fato é retratado em um dos episódios de “Narcos”).
Manuela também adorava o pai. Rumores dão conta que, logo que foi morar com a mãe e o irmão na Argentina, ela costumava dormir com uma camisa igual a que Escobar usava no dia em que foi morto, e que mantinha um chumaço de sua barba debaixo do travesseiro.
Se isso é verdade ou não, ninguém sabe. O que se diz é que, assim que ela descobriu tudo o que o pai fez, caiu em uma depressão profunda que a teria levado a uma tentativa de suicídio. Enquanto o irmão agora é uma figura pública e até mesmo escreveu um livro sobre sua vida, Juana Manuela quer viver, tanto quanto possível, longe dos holofotes.
A foto que aparece logo acima, com o irmão e a mãe, é a única imagem disponível atualmente daquela menina que, um dia, ganhou um unicórnio do pai.
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