Operação Lava Jato e Operação Mãos Limpas

Moro e Di Pietro

A Operação Mãos Limpas ou Mani pulite foi uma investigação judicial de grande envergadura na Itália, deflagrada em 1992, com uma denúncia do dono de uma empresa de materiais de limpeza ao procurador da República Antonio Di Pietro. O pequeno empresário contou-lhe que, ao perguntar sobre qual o procedimento para se tornar fornecedor de um asilo em sua cidade, um funcionário lhe disse que seria melhor oferecer um “agrado” ao gestor da instituição. Após ouvir o relato, Di Pietro decidiu verificar a história. Em uma visita inesperada ao escritório de Mario Chiesa, integrante do Partido Socialista Italiano (PSI) e administrador do asilo Pio Albergo Trivulzio, foram encontrados US$ 6 mil de origem ilícita. Ali iniciava a saga que descobriria uma série de desmandos do governo.

O interesse da população era a última motivação dos investigados ao exercerem suas funções públicas.

Não demorou para que um dossiê mostrasse o envolvimento de Bettino Craxi, um dos cardeais do PSI e o primeiro socialista a ocupar o cargo de primeiro-ministro do país, entre 1983 e 1987. Craxi era o principal operador do esquema, que abastecia o partido com dinheiro ilegal, cobrando propinas de prestadoras de serviços do governo e construtoras interessadas em obras públicas.  Os valores recebidos: entre 1985 e 1992, uma construtora pagou US$ 800 mil ao ano para ser favorecida, e as licitações para a construção do metrô de Milão renderam, ao menos, US$ 10 milhões ao político.

Durante as investigações, vários acusados cometeram suicídio. Ex-presidente da estatal ENI, Gabriele Cagliari se matou em 20 de julho de 1993. Ele estava em prisão preventiva por ser testemunha-chave do caso e tinha admitido o pagamento de US$ 12,6 milhões a políticos. Três dias depois, Raul Gardini atirou contra a própria cabeça dentro de casa. O empresário que comandava a Montedison, uma das maiores indústrias químicas da Itália, mantinha ligações com pessoas influentes para favorecer seus negócios. Auditorias estimavam um rombo de até US$ 450 milhões no orçamento da empresa, que era usada para pagar propina.

Mas a caçada aos corruptos empreendida por juízes levaria um golpe ainda em 1993. Em 7 de setembro desse ano, veio a notícia de que o juiz Diego Curtó, do Tribunal de Milão, tinha embolsado US$ 200 mil para favorecer um banco. Em depoimento, o banqueiro Vicenzo Palladino revelou o envolvimento de Curtó, um dos mais atuantes na Operação Mãos Limpas. Outra baixa atingiria o Judiciário pouco tempo depois. Antonio Di Pietro, na época o representante da Justiça mais famoso no país, anunciaria sua saída da Mãos Limpas em dezembro de 1994. Quando a Fininvest, empresa pertencente a Silvio Berlusconi (que havia sido primeiro-ministro entre 1994 e 1995), foi apontada por corromper fiscais da Receita Federal italiana, o trabalho do juiz começou a sofrer ataques e pressões, que provocaram sua transferência para outro tribunal.

A população protestou nas ruas, mas os processos seguiram sem ele.

Silvio Belusconi
Silvio Belusconi

A operação Mãos Limpas se baseava também na delação premiada. Mas, no Brasil, a figura do colaborador na Itália não se configura da mesma maneira. Essa técnica de investigação surgiu na Itália e serviu principalmente para combater a Máfia e o terrorismo, mas não cancela a pena. A Itália não prevê benefícios para quem colabora no campo da corrupção, mas podem ser concedidas atenuantes genéricas, ou um acordo para reduzir a pena. Já no Brasil, os benefícios variam de perdão judicial, redução da pena em até 2/3 e substituição por penas restritivas de direitos.

Talvez a consequência mais importante da operação na Itália tenha sido a implosão do sistema político vigente. Vários partidos tradicionais foram praticamente extintos,  mas emergiram duas forças poderosas: o partido populista Forza Italia, do milionário Silvio Berlusconi, que entrou na política para salvar a si mesmo e ao seu império em perigo, depois da queda do seu protetor político, o líder do partido socialista Bettino Craxi. Surgiu também a Liga Norte, um grupo conservador, xenófobo e separatista do norte da Itália que queria a independência do país.

O debate politico foi tomado, por um lado, pelo populismo de Berlusconi, magnata da mídia, proprietário de jornais e redes de televisão e do clube de futebol Milan. Foi apontado como sendo o homem mais rico da Itália. Do outro, pela intolerância da extrema-direita da Liga Norte. Aproveitando que a esquerda italiana já estava em crise desde a queda do Muro de Berlim, as coalizões de governo no país se tornaram mais difíceis. Esse sistema durou de 1994 à 2011, quase 20 anos, nos quais Berlusconi, o homem mais poderoso da Itália, entrou em guerra contra o Judiciário e transformou a dialética política numa questão pessoal.

A operação Mãos Limpas durou cerca de quatro anos e se esfarelou por uma série de fatores, dentre os quais a morosidade da Justiça, o tempo de prescrição dos crimes e, principalmente, o apoio popular. Um ex-promotor público da Mãos Limpas, Gherardo Colombo, numa recente entrevista, explicou que, no começo da operação, as pessoas faziam filas para denunciar casos de corrupção.

Quando eles começaram a descobrir que se tratava de um fenômeno ramificado, no qual até o pequeno comerciante pagava uns trocados ao fiscal para não revelar a sua contabilidade em desordem, o apoio popular foi se perdendo. Resultado: até hoje a corrupção na Itália não foi eliminada. Hoje, emergem novos escândalos, não mais de financiamento ilícito dos partidos, e sim dos indivíduos.

Mas foi uma operação que marcou a Itália. Na primeira oportunidade, os italianos apearam do poder políticos de partidos tradicionais, tanto nas eleições para o Parlamento quanto para as prefeituras. O país sentiu a economia no custo das obras — sem os valores destinados a subornos, houve uma redução de cerca de 50% nos preços.

Mas os benefícios imediatos se perderam. Craxi não foi preso e ficou exilado na Tunísia até a sua morte, em 2000, e Silvio Berlusconi voltou a ser premier do país entre 2001 e 2011, mesmo respondendo a mais de 20 processos.

A corrupção ainda afeta os cofres públicos e a iniciativa do Judiciário foi esquecida pela população, perdida em meio a tantas investigações e ações judiciais.

Assim como a Mãos Limpas, a Lava Jato não garante que o país será melhor no futuro: mostra só que o passado era pior do que se pensava.

 

 

 

Fontes:

O Globo

Wikipedia

BBC

Folha de S. Paulo

 

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