Como toda cidade do mundo, São Paulo tem lá seus mistérios.
E um dos que mais deixa o paulistano curioso é sobre o pouco explicado arco do triunfo que existiu por aqui nas primeiras décadas do século 20. Já houve até quem escrevesse a respeito mas sempre de maneira vaga. Aqui vamos explicar tudo o que você sempre quis saber sobre este monumento mas não tinha para quem perguntar (ou onde ler).
Tudo começa em julho de 1921, quando a Prefeitura de São Paulo e a Presidência do Estado (aquela época o governo estadual chamado de presidência), são comunicados pelo cerimonial da Presidência da República que o Presidente Epitácio Pessoa desejava visitar São Paulo em caráter oficial.

A viagem, na verdade, seria uma turnê para tornar a figura do presidente mais conhecida e popular. Epitácio Pessoa assumiu a presidência em subsituição a Rodrigues Alves, eleito em 1918, mas que faleceu antes de tomar posse como Presidente da República em seu segundo mandato.
Saindo do Rio de Janeiro de trem – então capital do Brasil -, Epitácio Pessoa passaria por inúmeras cidades paulistas, como Taubaté, São José dos Campos, Mogi das Cruzes e Poá. Em algumas delas chegando a parar na cidade e em outras, como Tremembé, apenas passando vagarosamente pela estação e acenando para os cidadãos.
A sua chegada à capital paulista estava prevista para o dia 19 de agosto de 1921.

Para entender a grandiosidade que foi a chegada do Presidente Epitácio Pessoa a São Paulo, é preciso voltar no tempo em uma época em que o respeito à figura presidencial estava muito acima das questões partidárias. Um respeito que o brasileiro perdeu no tempo, hoje acostumado a vaiar ou aplaudir presidentes, governadores e prefeitos como quem assiste a um jogo de futebol. Tanto que uma visita nas proporções de 1921, talvez fosse impossível nos dias de hoje.
Ao aproximar-se da região central de São Paulo, já na então Estação do Brás, o comboio presidencial foi obrigado a parar por longos minutos. Todos os operários das fábricas que margeavam a ferrovia naquela região foram até os trilhos para saudar o presidente. Só depois a delegação seguiu até a Estação da Luz, onde as autoridades municipais e estaduais aguardavam. E é aqui que começaremos a falar do Arco do Triunfo.
Mas antes, uma vista parcial da região onde ele foi construído. Observe que a porção direita do Seminário Episcopal ainda não tinha sido demolida.

Por pouco esse marco quase não existiu. Sua construção foi decidida de última hora, já faltando poucas semanas para a chegada do Presidente. Discutia-se no gabinete do então Prefeito Firmiano Pinto, além de toda a pompa e cerimônia que estavam preparando para Epitácio Pessoa, o que mais poderia ser feito para tornar sua visita inesquecível.
E foi aí que alguém deu a ideia de fazer um Arco do Triunfo. Mas a inspiração inicial não veio da França, e sim dos Estados Unidos, precisamente do Arco do Triunfo que fica na Washington Square Park, em Nova Iorque.
Em 1889, para celebrar o centenário da posse de George Washington como presidente dos Estados Unidos, um grande Arco do Triunfo foi construído nessa praça, e feito totalmente em gesso e madeira. Era uma construção que chamamos de arquitetura efêmera(*). O arco tornou-se tão popular que, em 1892, decidiram erguer um novo e definitivo, feito de mármore. Era a primeira vez que um arco fora erigido nas Américas.
E isso influenciou muito a criação de um similar por aqui, em uma época em que o café ainda era um produto lucrativo e dinheiro não era problema. Sendo assim, convocou-se um arquiteto paulistano para projetar o grandioso monumento. Quem ? Ramos de Azevedo.

E como o tempo urgia, a obra foi tocada rapidamente. Valendo-se do mesmo artifício que os americanos, com gesso e madeira, em incríveis três dias foi erguido o Arco do Triunfo de São Paulo. A firma F. Ramos de Azevedo e Cia colocou 200 operários e todos os seus serviços de oficina a cargo da construção do arco. Os turnos eram de 24 horas para que a obra ficasse pronta. Ela foi instalada no trecho final da rua José Paulino, atual Praça da Luz, quase na esquina com a Avenida Tiradentes (vide mapa abaixo), de modo que tão logo o Presidente da República saísse da Estação, passasse pelo arco.
Projetado em estilo clássico e com traços similares aos arcos de Paris e Nova Iorque, o arco paulistano possuía 28 metros de altura por 27 de metros de largura, sendo que a abertura do arco era de 10 metros de largura por 14 de altura. Sobre o arco havia quatro bandeiras nacionais, sendo três de um lado e uma do outro. Além disso, adornavam o monumento flores e guirlandas. Nas duas faces do arco existiam as homenagens: “Salve Epitácio Pessoa” e também a frase “A Cidade de São Paulo”. À noite, além da iluminação do monumento, funcionava uma bandeira nacional feita com mil lâmpadas coloridas.
Ao chegar a Estação da Luz, Epitácio Pessoa foi recebido pelo então Presidente do Estado, Washington Luís, e pelo prefeito do município, Firmiano Pinto. Após a execução do hino nacional e das demais recepções de chegada, partiu a delegação rumo ao Palacete Prates. Abaixo, o momento em que o landau presidencial acabava de passar sob o Arco do Triunfo.
O cortejo passaria por diversas ruas paulistanas até chegar a seu destino, como as ruas Florêncio de Abreu, Mauá e José Paulino. Naquele mesmo dia 19, à noite, após jantar com Washington Luís, o Presidente Epitácio Pessoa seguiria para o Theatro Municipal para um espetáculo. Para a ocasião, foi inaugurado um novo e moderno sistema de iluminação no teatro.
E quanto tempo durou o marco ?
Como foi feito de gesso e madeira, obviamente não foi projetado para durar muito. Como não houve, após a passagem presidencial, nenhuma discussão para construir um arco definitivo, tal qual foi feito em Nova Iorque, o Arco do Triunfo paulistano foi demolido. Seu desmonte deu-se algumas semanas depois do 7 de setembro daquele ano, quando a independência do Brasil celebrou 99 anos.
E foi o fim da linha para esse monumento paulistano pouco conhecido e que hoje desperta muitas curiosidades a seu respeito.
(*) Arquitetura efêmera é o nome que se dá para construções feitas com objetivos celebrativos ou expositivos, e apenas para durar por um breve período de tempo. Existem vários outros casos deste tipo de arquitetura no Brasil, como na ocasião do casamento do Imperador D.Pedro I com a Princesa Amélia ou mesmo na ocasião da vista do Imperador D.Pedro II a São Paulo, em 1846.
Bibliografia consultada:
Correio Paulistano – Edições 20881, 20882, 20883 e 20954
A Cigarra – Edição 167, Setembro de 1921
Fonte:
Douglas Nascimento
Jornalista, fotógrafo e pesquisador independente, edita o site São Paulo Antiga e é membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP). Também edita o blog Human Street View, focado em comparações fotográficas entre a atualidade e o passado.
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