Parece piada, mas não é. Aconteceu com um amigo.
Eles se conheceram no Cannes Preview. Ela, RTV de uma grande agência. Ele, um jovem e promissor diretor. Foram apresentados por amigos comuns, brindaram com champanhe. Por coincidência sentaram juntos no auditório.
– Oi!
– Quanto tempo hein, eh, eh…
Ela percebeu que eles votaram nos mesmos comerciais, comentaram os ruins. Descobriram que tinham os mesmos gostos.
Depois da festa foram todos para um barzinho em que rolava uma balada.
Mais alguns drinks, dançaram, trocaram beijos e acabaram indo para o flat dele.
E foi uma noite daquelas, gloriosa! Acontece que na manhã seguinte ele tinha filmagem marcada para as 9 horas. E ela um voo para o Rio, às 11 horas, para uma reunião de pré-produção.
Ele acordou, olhou para o relógio: 8 horas! Meu Deus!
Vestiu-se às pressas. Saiu sem café, deu um beijo nela e disse:
– Estou levando a chave. Quando você sair, é só bater a porta que ela trava. Tchau, te ligo depois!
Ela ainda sonada, meio de ressaca: “tchau!”
Olhou para o relógio:
– Nossa, meu voo!
Saiu correndo para o banheiro.
Corta para a porta batendo. Close do relógio.
Na mesa de cabeceira, o ponteiro anda 15 minutos.
Corte – Interior do banheiro, ela se levanta do trono, aperta o botão da descarga. Sai apressada, volta, olha para dentro do vaso. Arregala os olhos.
Close da mão que aperta outra vez a descarga.
Close do olhar dela assustada.
Vários planos sucessivos dos dedos apertando a descarga.
Corte. Ela ao celular falando com uma amiga:
– Não adianta, não desce, é enorme. Já dei dez descargas.
Voz da amiga em off enquanto ela sai da cozinha:
– Faz o seguinte: vê se você acha algum saquinho plástico na cozinha.
Ela com cara de nojo, enfia as mãos no vaso e sai com saquinho de plástico respingando. Dá um nó, olha para o relógio e sai voando.
Já vestida, coloca o saquinho sobre a mesa da sala e resolve deixar uma mensagem. Pega um papel e enquanto escreve apressada, seus lábios balbuciam, ouvimos seu pensamento:
– Não sei o que você achou da nossa noite, espero que tenha sido boa pra você também.
Ela olha para fora, vê um vaso na sacada do flat.
Close de sua mão arrancando um lírio.
Mão colocando lírio ao lado da carta.
Ela em off:
– Mas aqui fica meu agradecimento e admiração!
Ela sai correndo, batendo a porta.
Corte: Ela correndo pelo saguão do aeroporto.
– Atenção, última chamada para o voo 729 com destino ao Rio.
Ela senta aliviada na poltrona do avião. Olha o encosto da poltrona da frente, em que além da revista de bordo, vê o saquinho plástico para sickness motion. Cai a ficha.
Corte: close do saquinho na mesa ao lado do bilhete e do lírio.
Ela arregala os olhos, dá um grito, todos olham. Põe a mão na boca.
Corte: porta do flat abrindo. O deslocamento de ar faz o lírio voar longe. Ele entra, se aproxima da mesa, pega o bilhete, lê, sorri e depois pega o saquinho, olhando curioso.
-x-x-x-x–
Quando meu amigo contou essa história me lembrei da velha frase sobre a profissão, infelizmente ainda atual:
A pressa passa, mas a merda fica.
Texto publicado no Meio & Mensagem online de 27 de julho, de autoria de Julio Xavier, sócio da BossaNovaFilms.
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