Publiquei, há algumas semanas, um post que falava sobre um dos mitos mais recorrentes sobre a França e os franceses (aqui). Hoje, vou falar sobre algo que nada tem a ver com os franceses, embora faça referência a eles: o pão francês.
Segundo a Wikipedia, pão francês, pão de sal ou pão careca são alguns nomes dos pães pequenos produzidos no Brasil para serem consumidos em refeições como o café da manhã e o lanche da tarde. Outros nomes pelo qual ele é conhecido são: pão massa grossa (Maranhão), cacetinho (Rio Grande do Sul, Bahia), média (Baixada Santista), filão, pão jacó (Sergipe), pão aguado (Paraíba), ou pão carioquinha (Ceará). Segundo os dados da Pesquisa de Orçamento Familiar do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o consumo per capita do pão de sal foi de 53 g/dia no país.
O hábito de consumir pães pequenos parece ser relativamente recente. No Brasil, o pão francês parece ter surgido no início do século XX, quando a elite da Primeira República adotou a cultura francesa da “Belle Époque” como padrão, não apenas na gastronomia, mas também na moda, nas artes e nos hábitos sociais.
Para entender melhor as circunstâncias em que nosso “pão francês” foi criado, seria interessante fazermos uma rápida viagem ao passado…
Na década de 1900, o Brasil vivia profundas transformações após a proclamação da República. Havia grandes extensões de terra com apenas algumas áreas produtivas, os latifúndios, e que estavam nas mãos dos chamados coronéis, nome de uma patente da Guarda Nacional que passou a ser usado para designar os fazendeiros mais ricos e poderosos de uma região.
Av. Rio Branco, no Rio de Janeiro, na década de 1900.
A população era composta, de um modo geral, por uma elite de forte poder econômico, constituída por coronéis e comerciantes, por uma classe média urbana, formada por profissionais liberais, intelectuais e políticos, e pelos trabalhadores rurais. Até então, o brasileiro consumia, em grandes quantidades, a farinha de mandioca e o biju, apesar de já conhecer o pão de trigo desde a chegada dos colonizadores portugueses. No início do século XX, a atividade de panificação se expandiu, motivada pela vinda dos italianos para o Brasil, e o pão tornou-se essencial na mesa do brasileiro. Mas era completamente diferente do atual pão francês; era escuro, na casca e no miolo. Era mais parecido com o pão italiano.
Com a abertura econômica e financeira para o comércio externo, o Brasil da Primeira República tornava-se um mercado altamente consumidor dos produtos de países estrangeiros que precisavam desovar seu excesso de produção industrial. Juntamente com os produtos estrangeiros, o Brasil passou a importar, também, ideias e costumes, em especial tudo o que estava em voga no movimento cultural da Belle Époque.
Na Europa do início da década de 1910, ainda se vivia o clima de desenvolvimento industrial, prosperidade econômica e otimismo da Belle Époque, iniciado no final do século XIX. Esse clima perdurou até a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914, quando as invenções desse período passaram a ser utilizadas como armas de guerra. Essas inovações tecnológicas foram marcantes para o desenvolvimento humano, como o telefone, o telégrafo sem fio, o cinema, a bicicleta, o automóvel e o avião, e inspiraram profundas transformações culturais. Tornaram a vida das pessoas mais fácil em todos os níveis sociais e geraram novos modos de viver o cotidiano.
Paris era o epicentro dessa época, com a proliferação de teatros, cinemas e exposições. Todos queriam estar lá, viver lá ou, no mínimo, passar uma temporada na Cidade Luz.
A moda, para as mulheres, cobria todas as partes do corpo com babados, plissados, bordados, luvas e chapéus. Os espartilhos, que antes definiam a silhueta, nessa época foram substituídos por curvas mais suaves. Para o homem, a moda exigia um estilo mais sóbrio. Mantinha o uso de chapéu, polainas e casaca, mas o paletó começou a aparecer com força crescente, e as calças ficaram cada vez mais estreitas e curtas.
Cafés e confeitarias se transformaram no ponto de encontro de intelectuais e artistas, favorecendo a difusão de novos modos de pensar. O desenvolvimento dos meios de comunicação e transporte disseminou a arte e a cultura da Belle Époque, aproximando as principais cidades do planeta. Escritores como Baudelaire, Rimbaud, Verlaine, Zola e Balzac passaram a ser lidos avidamente. Pintores como Picasso, Modigliani e Matisse revolucionaram as artes no mundo. As pessoas de maior poder econômico ostentavam elegância e luxo em grandes bailes, festas, jantares. E a gastronomia passou a fazer parte de suas diversões noturnas.
O Café de la Paix por volta de 1900. Este café existe até hoje, na Place de l’Opéra, em frente à Ópera Garnier, teatro de ópera localizado no IX arrondissement de Paris.
Nos restaurantes, jantava-se entre paredes de mogno e cobre, recortadas por vitrais e sob tetos cheios de dourados, afrescos e lustres. O estilo culinário passou a ser definido com o rótulo “Comer com os olhos”.
Os grandes chefs, cujos ancestrais haviam cozinhado para a nobreza, criaram o sistema de servir à la carte. Então, passaram a oferecer opções de pratos predefinidos pela casa e em cardápios ricamente ilustrados, que demonstravam a expertise do chef e o glamour do restaurante. E o pão que lá se consumia era com miolo branco e casca dourada, tornando-se um mito para os brasileiros endinheirados que o provaram!
Esses endinheirados “precisavam” ir a Paris ao menos uma vez ao ano, garantindo assim seu vínculo com o mundo. A República do Brasil, recém-instalada, pretendia inaugurar uma nova era no país, favorecendo as coisas modernas e avançadas e, portanto, incentivando a difusão de usos e costumes de Paris, como as vestimentas à moda francesa e a prática de se tomar café em mesas dispostas pela calçada.
A Confeitaria Colombo, fundada em 1893 no Rio de Janeiro, é o símbolo máximo da Belle Époque no Brasil.
As fotos a seguir, extraídas da revista carioca “Ilustração Brazileira”, de algumas edições de 1909, refletem um pouco todo o alvoroço das nossas moças endinheiradas e seduzidas pelo luxo francês.
No Rio de Janeiro, então capital brasileira, cresceu o número de cafés e confeitarias que reproduziam o costume francês de servir com estilo e elegância. E as padarias, que ainda produziam aquele pão de casca escura, começaram a receber centenas de pedidos para fazer o “pão como aquele dos franceses”.
Baseados então na descrição dos viajantes, foi assim que os nossos padeiros criaram o “pão francês”… Brasileiro!
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