A escravidão, prática pela qual um homem assume os direitos de propriedade sobre outro, vem desde os tempos mais remotos. Nem sempre o escravo era tido como uma mercadoria. Em Esparta, onde eram usados como força de trabalho, eles não podiam ser vendidos ou comprados, uma vez que eram propriedade do Estado, que definia o que eles faziam e poderiam cedê-los por tempo determinado a alguém.
Já em Roma, por exemplo, os escravos eram mercadoria e, nos mercados estabelecidos para isso, escravos e escravas eram exibidos e leiloados. Os preços variavam conforme as condições físicas, habilidades profissionais, a idade, a procedência e o destino.
A escravidão da era moderna está baseada num forte preconceito racial, segundo o qual o grupo étnico ao qual pertence o “dono” é considerado superior, embora já na Antiguidade as diferenças raciais fossem bastante exaltadas entre os povos escravizadores, principalmente quando havia fortes disparidades fenotípicas. Na antiguidade também foi comum a escravização de povos conquistados em guerras entre nações.
Esse costume continuou na era moderna. Por exemplo, durante a 2ª Guerra Mundial os nazistas escravizaram diversos prisioneiros, como os da foto acima, do campo de concentração de Wobbelin, na Alemanha, mantido pelas SS. Esse campo foi libertado pelas tropas da 82ª Divisão Aerotransportada dos Estados Unidos em 1945, quando os comandantes americanos – indignados com o que encontraram – mandaram os habitantes da cidade vizinha enterrar os mortos, mais de 1000 corpos espalhados por todo o campo. (esse evento foi contado num episódio da série de TV “Band of Brothers”).
A exploração do trabalho escravo torna possível a produção de grandes excedentes e uma enorme acumulação de riquezas por parte dos povos ou indivíduos que adotam essa prática. Nas civilizações escravagistas, não era pela via do aperfeiçoamento técnico dos métodos de produção que os senhores de escravos procuravam aumentar a sua riqueza. Mas sim pelo aumento da “força de trabalho”…
No Brasil, a primeira forma de escravidão foi dos índios, especialmente na Capitania de São Paulo, onde seus moradores pobres não tinham condições de adquirir escravos africanos, nos primeiros dois séculos de colonização. A escravização de índios foi proibida pelo Marquês de Pombal. Não por razões humanitárias, mas porque eram considerados pouco aptos ao trabalho…
A escravidão dos povos africanos teve início com a produção canavieira na primeira metade do século XVI como tentativa de solução à “falta de braços para a lavoura“, já que não podiam contar com os nativos.
Escravidão no Brasil, Jean-Baptiste Debret (1768-1848).
Os portugueses, brasileiros e mais tarde os holandeses traziam os negros africanos de suas colônias na África para utilizar como mão-de-obra escrava nos engenhos. Os mais valorizados eram os negros do Congo, Angola e Moçambique. Já os que vinham da Guiné eram enviados para trabalhar em Minas Gerais, nas minas de ouro.
Como eram vistos como mercadorias, ou mesmo como animais – do mesmo modo como faziam os povos escravagistas da Antiguidade -, os negros eram avaliados fisicamente, sendo melhor avaliados, e tinham preço mais elevado, os escravos que tinham dentes bons, canelas finas, quadril estreito e calcanhares altos, em uma avaliação eminentemente racista. O preço dos escravos sempre foi elevado quando comparado com os preços das terras, abundantes no Brasil. Assim, durante todo o período colonial brasileiro, nos inventários de pessoas falecidas, o lote (plantel) de escravos, mesmo quando em pequeno número, sempre era avaliado por um valor muito maior que o valor atribuído às terras do fazendeiro. Por isso a morte ou a fuga de um escravo representava uma perda econômica e financeira imensa.
Os escravos fugidos formaram muitos quilombos, que traziam insegurança e frequentes prejuízos a viajantes e produtores rurais. Em Minas Gerais, por exemplo, em torno da estrada que era o único acesso a Goiás, havia o Quilombo do Ambrósio, o maior de Minas Gerais, que foi assim descrito por Luís Gonzaga da Fonseca, em sua “História de Oliveira”:
“Goiás era uma Canaã. Voltavam ricos os que tinham ido pobres. Iam e viam mares de aventureiros. Passavam boiadas e tropas. Seguiam comboios de escravos. Cargueiros intérminos, carregados de mercadorias, bugigangas, miçangas, tapeçarias e sal. Diante disso, negros foragidos de senzalas e de comboios em marcha, unidos a prófugos da justiça e mesmo a remanescentes dos extintos cataguás, foram se homiziando em certos pontos da estrada (“Caminho de Goiás” ou “Picada de Goiás”). Essas quadrilhas perigosas, sucursais dos quilombolas do rio das mortes, assaltavam transeuntes e os deixavam mortos no fundo dos boqueirões e perambeiras, depois de pilhar o que conduziam. Roubavam tudo. Boiadas. Tropas. Dinheiro. Cargueiros de mercadorias vindos da Corte (Rio de Janeiro). E até os próprios comboios de escravos, matando os comboeiros e libertando os negros trelados. E com isto, era mais uma súcia de bandidos a engrossar a quadrilha. “
Somente no final do século XIX é que a escravidão foi mundialmente proibida. Aqui no Brasil, sua abolição se deu em 13 de maio de 1888 com a promulgação da Lei Áurea, feita pela Princesa Isabel. Se a lei deu a liberdade jurídica aos escravos, a realidade foi cruel com muitos deles.
Sem moradia, condições econômicas e assistência do Estado, muitos negros passaram por dificuldades após a liberdade. Muitos não conseguiam empregos e sofriam preconceito e discriminação racial. A grande maioria passou a viver em habitações de péssimas condições e a sobreviver de trabalhos informais e temporários.
Marc Ferrez, fotógrafo franco-brasileiro, retratou cenas dos períodos do Império e início da República, entre 1865 e 1918, e dentre seus importantes legados visuais, há inúmeras fotos – que são parte do acervo do Instituto Moreira Salles – do Brasil dos anos 1800 nas quais a escravidão aparece sem qualquer tipo de constrangimento. Ao contrário, a impressão que passa é que essa prática tinha se tornado natural, mesmo que baseada em inúmeras formas de constrangimento e todo tipo de violência.
Quis aqui compartilhar essas fotos, tanto de Marc Ferrez quanto de Augusto Stahl e outros fotógrafos, para nos ajudar a repensar essa história que, por muito tempo, manteve-se invisível na sociedade brasileira.
A escravidão continua. É diferente daquela no Brasil Colônia, quando a prática de comprar e vender gente era uma atividade legal. Mas é tão perversa quanto. Temos escravos espalhados na Amazônia, no interior do Brasil, nas tecelagens do Brás em São Paulo.
Para o senhor de escravos, hoje é muito mais vantajoso. Era muito mais caro comprar um negro africano. Hoje, o custo é quase zero – paga-se o transporte providenciado pelos “coiotes” – e só. Gente desempregada no Brasil e em países vizinhos é abundante, portanto candidatos inocentes à escravidão não faltam. E tanto faz se a pessoa é negra, amarela, branca, vermelha… O que importa é que o escravo seja miserável, independente da raça.
Mesmo com a fiscalização mais intensa do Ministério do Trabalho, com a prisão e multa dos envolvidos e o resgate dos trabalhadores, as causas continuam em aberto. O local de origem dos escravos contemporâneos sempre tem em comum uma situação de pobreza terrível.
Enquanto não existir uma forma de fixar essas pessoas em suas terras, a mão-de-obra passível de entrar em regime de escravidão continuará abundante.
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