Vários governos têm feito gestões para que seus tesouros nacionais sejam repatriados. Um deles, e que tem sido bem sucedido em seus esforços, é o governo do Peru.
Há dois anos, por exemplo, o Museu Peabody, da Universidade Yale, nos Estados Unidos, começou a devolver ao Peru as 47 mil peças de ouro, prata e cerâmica, mais esqueletos, múmias e fragmentos retirados de 170 tumbas de Machu Picchu entre 1911 e 1915. Dessa forma, os peruanos não vão mais ter que pedir visto americano para desfrutar de seus tesouros.
Em 1990, arqueólogos e antropólogos peruanos definiram como obrigação a recuperação dos objetos que agora estão sendo devolvidos pela instituição americana. No começo, Yale não deu muita importância à reclamação, mas quando o governo do Peru, por intermédio dos presidentes Alejandro Toledo e Alan García, promoveu uma campanha agressiva na mídia, exerceu pressão política e ameaçou ir à Corte Internacional de Haia denunciando o roubo dos seus bens culturais, a ficha caiu.
Só em 2008, a universidade aceitou que as peças eram propriedades dos peruanos e concordou em devolvê-las. Mas, antes, impôs inúmeras condições, entre elas a construção de um museu, a escolha do seu curador e a formação de um centro de pesquisas.
O que diferencia esse caso de tantos outros é que o descobridor de Machu Picchu, o historiador americano Hiram Bingham, fez escavações no local, em 1911, autorizadas pelo governo peruano, que também concordou com o envio das peças para os Estados Unidos. Portanto, tecnicamente, não houve pilhagem nem contrabando. É importante ressaltar também que, com exceção do México, nenhum país latino-americano tinha arqueólogos no começo do século XX. Quer dizer, o historiador americano foi recebido com respeito no Peru, apesar de ser considerado hoje uma espécie de Indiana Jones, que caçava tesouros para os museus.

No fundo, Bingham era apenas um historiador interessado em refazer a trilha do revolucionário venezuelano Simón Bolívar. Ao chegar ao Peru, em 1908, ficou sabendo da suposta existência de uma cidade de ouro perdida na selva. Baseando- se em dados científicos e históricos, achou a cidade escondida no alto de penhascos a 2.400 metros de altitude no vale do Rio Urubamba, construída pelos incas no século 15. De fato, a descoberta da cidade dos incas se deve ao fato de que ele estava atrás do Eldorado e descobriu Machu Picchu…
A localização da cidade sagrada, porém, não era segredo para muitos peruanos. Antes da chegada de Bingham, há evidências de que os huaqueros, caçadores de relíquias, já tinham passado pela cidade, inclusive deixando rastros de queimadas.
A grande polêmica atual, envolvendo antropólogos, arqueólogos, museólogos e historiadores é sobre devolver ou não as peças pilhadas, saqueadas ou compradas ilegalmente há séculos. O tema é extremamente controverso, pois a aquisição dos objetos e das coleções proliferou durante tempos coloniais e durante as guerras. Em muitos casos, elas estavam abandonadas e em deterioração nos países de origem.
Objetos saqueados devem ser devolvidos? O Louvre expôs objetos roubados por Napoleão do Egito por poucos anos. A queda do imperador, em 1815, levou à devolução de algumas relíquias, mas não do Obelisco de Luxor, que continua a adornar a Place de la Concorde, em Paris.
Esse movimento para a repatriação dos tesouros saqueados cresceu de intensidade na década de 1980, quando a atriz Melina Mercouri se tornou ministra da Cultura da Grécia e liderou uma campanha pela repatriação dos mármores de Elgin (“Mármores do Partenon”, segundo os gregos), que ainda estão no Museu Britânico. A instituição prometeu devolvê- los assim que a Grécia construísse um museu para abrigá-las. O museu foi feito, inaugurado e as relíquias não vieram…
A lista de itens conhecidos e que foram pilhados é enorme. Entre eles, está o “Cilindro de Ciro”, do século 6 a.C., que abalou as relações entre o Irã e a Inglaterra – a peça babilônica considerada o mais ancestral documento existente sobre direitos humanos está no Museu Britânico. Ou o busto de Nefertiti, reivindicado pelo Egito e hoje em um museu em Berlim.
Nos Estados Unidos, tribos indígenas como os tlingits, do Alasca, os navajos e os hopis entraram em pé de guerra para obter o retorno dos objetos sagrados e ritualísticos às comunidades. Como resultado, leis foram promulgadas nos Estados Unidos para tentar balizar o assunto. O modelo fez escola.
Hoje, os museus evitam a pecha de receptadores de obras roubadas ou adquiridas no mercado negro. Tornou-se inconveniente e moralmente indefensável tê-las no acervo. Mas temos que considerar o outro lado, também…
Em 2008, o Louvre, o Museu Britânico, o Metropolitan, de Nova York, e os State Museuns, de Berlim, assinaram a Declaração sobre a Importância dos Museus Universais, que adverte que a repatriação de objetos históricos pode empobrecer a cultura mundial. “Museus não servem apenas aos cidadãos de uma nação, mas às pessoas de todas as nações”, ressaltam.
Então, aí está colocada a polêmica: a devolução de objetos pilhados aos seus países de origem pode causar sua deterioração, por conta de más condições de segurança e preservação. Nos museus onde estão hoje, são pesquisadas e bem cuidadas. Por outro lado, como aconteceu quando Yale devolveu as peças ao Peru, isso lavou a alma dos peruanos, além de provocar um estímulo ao conhecimento (hoje, a arqueologia no Peru é uma profissão reconhecida e respeitada).
Pessoalmente, sou pela devolução das peças aos seus países de origem. Visitei vários museus durante minha recente viagem à costa norte do Peru, e vi a fascinação e o entusiasmo dos peruanos ao admirar as obras de seus ancestrais. Isso provoca um aumento na autoestima das pessoas e reforça o sentido de nação, de povo e de conexão com sua terra.
Fonte:
revistaplaneta.terra.com.br
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