Aurélio de Oliveira, publicitário e professor
Desde que me mudei aqui para Porto Seguro, berço do nosso descobrimento, fui apenas uma vez visitar uma réplica meia boca da caravela do Cabral. Não deu vontade de ir novamente. Dizem que foi neste local (há controvérsias), há mais de 5 séculos, que dois índios Pataxó, encostados numa paineira, acompanharam as caravelas de Cabral atracando nas costas brasileiras. Disse um ao outro:
___ Acho que isso não vai dar certo…
De lá para cá, muita água rolou debaixo da ponte, muita cachaça jorrou dos alambiques e muito sangue, suor e carnaval arquitetaram e definiram nossa excêntrica identidade nacional e os rumos do nosso progresso como povo!
Por que ainda não deu certo? Melhor: por que deu certo em algumas coisas, como o futebol por exemplo, e não deu em outras, como educação e saúde? Por que os políticos ganham salários astronômicos e um professor ganha um salário microscópico? É tudo muito confuso neste país.
Eu acho que é tudo uma questão de começo. Tudo que começa bem, vai bem! Vamos falar, então, sobre o início dos nossos tempos. Somos filhos de um povo que, muito longe de colonizar com inteligência, veio aqui para predar, rapinar e destruir, fincando a bandeira da parvoíce. Facínoras e delinquentes portugueses, em vez de serem mandados para as masmorras do castelo, eram mandados para as praias idílicas das terras descobertas.
Fomos colonizados por bandidos, que semearam em inocentes úteros indígenas a gênese de uma estranha e extravagante etnia. Se não eram malfeitores eram exploradores, que vinham e iam com as naus abarrotadas de pau-brasil e a consciência vazia de culpa; deixavam para trás proles e mais proles de criaturas de difícil identificação: não eram europeus, mas também não eram mais índios.
Depois de aviltar os nativos, anos mais tarde resolveram desonrar negros africanos que, à força de grilhões, eram trazidos para os trabalhos forçados nos engenhos e trabalhavam de graça até morrer. Mas antes disso, as negras mais jovens e bonitas eram obrigadas a emprestar o corpo para, desregradamente, senhores de fazendas, seus filhos e comparsas continuarem a moldar aquilo que seria o povo brasileiro. O resultado foi uma nova renque de seres que não eram brancos, nem podiam ser chamados de africanos.
Já éramos brasileiros? Não! Brasileiro era o nome que se dava à corja que traficava o pau-brasil. Ainda éramos apenas o início de uma farofa étnica copulada e ejaculada por brancos, negros e índios nas alcovas coloniais, fossem elas sobre lençóis acetinados, em senzalas mal-cheirosas, em becos fétidos e sombrios ou nas matas sob a luz de Jaci.
Desse modo fomos nascendo… sem pátria, sem identidade e abençoados pela avidez de almas e dinheiro de uma religião que, sabendo da força que há em um povo alfabetizado, não nos obrigava a aprender a ler para seguir seus ritos. Apenas amedrontavam-nos com as fábulas da cristandade… bobagens como céu, inferno e purgatório.
Assim, crescemos temerosos, incultos, pouco afeitos a leituras e, pior, vulneráveis.
Hoje somos um povo lindo e as diferentes etnias liquidificadas fizeram bem pra nossa pele e nos encheram de talento. Mas continuamos vulneráveis às perfídias das religiões, das políticas, dos políticos e do poder global das grandes empresas. Por isso, por conta dessa biografia caótica, somos um povo que ainda não deu certo…
Quem sabe um dia…
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