Peças de vestuário de muitas das marcas preferidas do mundo são descartadas em pilhas de roupa no deserto de Atacama, no Chile.

por John Bartlett, adaptação Júlio de Andrade Filho
Esse mundo em que a gente vive é realmente muito louco… quem imaginaria que o Atacama, no Chile, local procurado por muitos turistas, se transformaria também em um lixão clandestino de roupas descartadas nos Estados Unidos, Europa e Ásia?
Esse cemitério é uma das lixeiras de roupa que mais depressa cresce no mundo, devido à produção em massa de peças de moda rápida. O fenômeno gerou tantos resíduos que a ONU considerou-o “uma emergência ambiental e social”. O desafio que se segue é travá-lo, impedindo de algum modo que cresça ainda mais.
Os números contam a história. Entre 2002 e 2014, a produção de vestuário duplicou e os consumidores começaram a comprar mais 60% de peças de roupa e a vesti-las menos de metade do tempo do que antes.

São montanhas e montanhas de roupas usadas e novas (alguma ainda com a etiqueta de preço!) que contaminam o deserto, causando danos ecológicos sem precedentes.
Veja estes dados
- A indústria da fast fashion despeja ilegalmente mais de 39 mil toneladas de roupas por ano no deserto.
- A indústria da moda é a segunda mais poluente do mundo, depois do petróleo, e é responsável por 20% dos resíduos tóxicos despejados na água. Por exemplo: para fazer uma calça jeans, são necessários 7.500 litros de água doce, o equivalente ao consumo de uma pessoa em sete anos. Em números globais, a cada ano, a indústria representa 20% do consumo global de água potável e 10% das emissões de gases de efeito estufa.
- 85% dos tecidos produzidos anualmente no mundo são enterrados em lixões (a maioria ilegais) ou queimados.
Mas… como isso aconteceu no Chile? A história de como o país se transformou num repositório da roupa rejeitada pelo mundo tem tanto a ver com a globalização e o comércio como com as tendências fugazes da moda.

O Chile tem um dos maiores portos de zona franca da América do Sul. Milhões de toneladas de roupa chegam todos os anos vindas da Europa, da Ásia e do continente americano. No ano passado, foram 46 milhões de toneladas, segundo a alfândega chilena.
A zona franca, onde mercadorias são importadas e exportadas, não tem impostos. Este porto no Chile foi criado justamente para melhorar a economia local, gerando empregos. Hoje, o Chile tornou-se um dos maiores importadores mundiais de roupa usada.

A indústria da moda rápida pode produzir cerca de 1 bilhão de peças de roupa por ano, das quais 60% acabam em lixões, como o Atacama. São roupas usadas, outras com defeitos, outras até novas mas que não foram vendidas.
Na Europa, por exemplo, geram-se em média quase 20 quilos por pessoa por ano, com as cerca de 50 microestações que a indústria oferece a cada 365 dias. Ou seja, essa fast fashion “obriga” os consumidores a descartarem rapidamente o modelo anterior, que logo estará… fora de moda…

Se o descarte dessas roupas acabou oferecendo um mercado enorme de material reciclado, de importação e exportação, gerando emprego e renda para a população, por outro lado há um dado gravíssimo que deve ser levado em conta:
A roupa que não se vende no mercado tem como destino o deserto, mas grande parte dela é feita de materiais sintéticos não-biodegradáveis.
O material sintético mais usado é o poliéster, um tipo de resina plástica derivada do petróleo e que oferece grandes vantagens em relação ao algodão: mais barato, pesa pouco, seca rápido e não amassa.
O problema é que demora 200 anos para se desintegrar – o algodão leva 2 anos e meio.
No deserto do Atacama, camisetas esportivas, trajes de banho ou shorts brilham como novos, mas provavelmente estão há meses ou anos nas pilhas de lixo.
Com o passar do tempo, as roupas se desgastam e liberam microplásticos que acabam na atmosfera, afetando fortemente a fauna marítima ou terrestre das cercanias.

Os moradores queimam as roupas que estão imprestáveis, seja para reciclagem dos fios, seja para revenda (você pode comprar uma camiseta seminova por um dólar…). Esses incêndios duram entre dois a dez dias, liberando uma fumaça tóxica que é inalada pelos próprios moradores.
Soluções?
Faz cerca de 15 anos que os descartes têxteis se acumulam nesse lugar icônico, mas agora o problema tem atingido proporções gigantescas, afetando 300 hectares (algo como 420 campos de futebol) da região.
A solução, no entanto, não é simples. No momento, há dois planos em andamento: um programa de erradicação de lixões clandestinos, e a incorporação da roupa usada à Lei de Responsabilidade Estendida do Produtor, que estabelece obrigações para empresas importadoras.
Mas ainda faltam passos importantes para que os planos sejam colocados em prática: no caso do primeiro, é necessária a aprovação do governador regional e, no caso do segundo, ainda é preciso elaborar o decreto de regulamentação.
A falta de fiscalização e controle na área faz com que seja muito fácil descartar as peças em depósitos ilegais.

Com a falta de soluções reais – e o aumento indiscriminado da chamada “fast fashion” – a roupa segue se acumulando todos os dias nesse deserto inóspito.
fontes:
nationalgeographic.com
bbc.com
g1.globo.com

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