O que acontece quando dizemos… “xô imposto, xô!”

Juliano Giassi Goularti
Doutor pelo Instituto de Economia da UNICAMP
Imagine a manchete: “A partir de segunda-feira, ninguém mais paga impostos no Brasil.”
A ideia soa como uma utopia fiscal, um alívio imediato para o bolso de todos. Por um instante, o desejo de mandar o imposto para bem longe se concretiza. Mas, se fizermos esse experimento mental dia após dia, percebemos rapidamente que o “xô imposto, xô” é, na verdade, um tiro no pé da própria civilização.
Segunda-feira: o grito da utopia fiscal
O primeiro dia sem impostos é de euforia. Sem Imposto de Renda, sem ICMS, sem IPI, a renda aumenta e os preços caem. Os cidadãos se sentem ricos e livres. A sociedade celebra o fim da carga tributária. Todos voltam para casa felizes com o dinheiro extra no bolso, ansiosos para aproveitar a nova liberdade econômica.
Terça-feira: o silêncio do Estado
A euforia começa a se dissipar na terça-feira, quando o Estado, sem receita, é forçado a cessar seus pagamentos. O funcionalismo público não recebe salários — professores, policiais, médicos, garis, bombeiros, técnicos de manutenção de estradas e, sim, também deputados, juízes, desembargadores e promotores. A segurança pública e a ordem civil começam a vacilar, não por má vontade, mas por simples falta de recursos para remunerar aqueles que mantêm a estrutura básica da nação funcionando.
Quarta-feira: o colapso dos serviços essenciais
Na quarta-feira, a crise atinge a vida diária de forma brutal. Sem recursos para custeio, manutenção e pagamento de pessoal, escolas, hospitais, postos de saúde e demais serviços públicos são fechados.
Não há dinheiro para comprar insumos básicos, como remédios e materiais escolares. O investimento em pesquisa e tecnologia deixa de existir. O sonho da segunda-feira se transforma no pesadelo de uma sociedade desamparada, onde saúde e educação se tornam privilégios inatingíveis.
Quinta-feira: a paralisia da infraestrutura
A paralisia se espalha para além dos serviços sociais. O Estado, impedido de honrar seus compromissos, não paga mais seus fornecedores. Empresas de construção que fazem obras de infraestrutura, companhias que fornecem energia, comunicação e materiais para manutenção de rodovias param de trabalhar.
O asfalto se deteriora, a iluminação pública falha, e o comércio fica estrangulado pela falta de estradas e portos em funcionamento. A economia privada, que tanto celebrou o fim dos impostos, agora sucumbe à ausência de infraestrutura básica financiada por eles.
Sexta-feira: o fim da confiança
Na sexta-feira, a bomba explode no mercado financeiro global. O governo, sem qualquer capacidade de arrecadação, dá o calote da dívida pública. O país perde instantaneamente a confiança de investidores nacionais e internacionais.
A moeda se desvaloriza drasticamente, o crédito desaparece, e a economia mergulha em hiperinflação. O dinheiro, que tanto valorizou na segunda-feira, agora não compra mais nada, pois a confiança — o verdadeiro lastro da economia moderna — foi destruída pela irresponsabilidade fiscal.
Sábado: o fim do capitalismo
No sábado, a jornada se completa: acaba o capitalismo.
Sem o funcionalismo público para aplicar a lei e garantir a propriedade privada; sem juízes para resolver disputas contratuais; sem infraestrutura para escoar a produção; e sem crédito ou moeda confiável para transações, o sistema de mercado se torna inviável. O caos e a desordem prevalecem.
A liberdade fiscal conquistada na segunda-feira culmina na ausência total de liberdade econômica e civil no sábado.

Conclusão: a tributação como pilar da ordem
O experimento mental da “semana sem impostos” revela uma verdade inconveniente: o imposto é o preço da civilidade.
Os tributos são a seiva vital que financia o monopólio estatal da força e da justiça — como polícia, tribunais e a garantia da ordem — permitindo que contratos sejam honrados e que o mercado funcione. Representam o investimento social em saúde, educação e na infraestrutura que o setor privado utiliza gratuitamente, de estradas a redes de energia. Assim, pagar impostos não é apenas uma obrigação, mas a adesão a um contrato social que assegura segurança, ordem e a estrutura mínima para que a vida em sociedade e, ironicamente, o próprio sistema capitalista possam prosperar.
O cerne do debate fiscal reside em uma dupla exigência: a justiça na arrecadação e a eficiência na distribuição. O descontentamento se dá em relação à regressividade do sistema, que exige mais de quem tem menos, principalmente via impostos sobre consumo. Para combater essa injustiça estrutural, a principal ferramenta é o imposto progressivo. Esse princípio, baseado na capacidade contributiva, assegura que quem possui maior riqueza ou renda contribua com uma proporção maior de seus ganhos.
No entanto, a justiça fiscal não termina na arrecadação: deve se completar na distribuição dos recursos, garantindo que os impostos sejam aplicados de forma transparente e eficiente para financiar serviços públicos de qualidade — saúde, educação, segurança, infraestrutura — que beneficiem a todos, especialmente as camadas mais vulneráveis.
Assim, a luta por um sistema tributário justo é, em sua essência, a luta por um Estado que não apenas arrecada de forma equitativa, mas que também entrega valor à sociedade, legitimando sua existência e promovendo a coesão social.


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