O escritor Elmore Leonard, autor de obras que deram origem a filmes como “O nome do jogo”, “Os indomáveis” e “Jackie Brown”, morreu em agosto passado, em consequência de complicações cardíacas e respiratórias, três semanas depois de sofrer um derrame. Autor de 45 romances sempre focados na tese de que o culto ao individualismo leva à violência, Leonard sempre questionou o rótulo de “cronista da América” e a fama de pensador atribuída a ele pela crítica literária, surpresa diante de seu estilo em best-sellers como “Ponche de rum” (1992), que acabou sendo o mais citado de seus textos, e que foi transposto para as telas por Quentin Tarantino como “Jackie Brown”, em 1997.

“Eu não sou um autor sério. Não tenho habilidade para escrever um livro sério. Sou, no máximo, um criador de diálogos”. Famoso pela coloquialidade nas falas de seus personagens (“Quando algo parece escrita, eu reescrevo”, dizia) Leonard atribuía as peculiaridades de sua linguagem às experiências que viveu durante a Segunda Guerra Mundial, em uma base no Oceano Pacífico. Ele fez parte de um destacamento militar que não partiu para o combate, e ficava o tempo todo ouvindo as conversas de seus colegas, fazendo delas a matéria-prima de sua prosa.

Em um artigo publicado pelo “New York Times” em 2001, Elmore Leonard listou uma série de dicas para aspirantes a escritores. “Essas regras eu compilei para me ajudar a continuar invisível enquanto escrevo um livro, para mostrar em vez de apenas dizer o que está acontecendo na história”, disse ele. São essas dicas que reproduzo a seguir:

1. Nunca abra um livro com o clima

Se for apenas para criar uma atmosfera, e não a reação de um personagem ao clima, você não deve se alongar muito. O leitor vai ficar tentado a folhear as próximas páginas à procura de pessoas. Há exceções. Se acontecer de você ser Barry Lopez, que tem mais maneiras de descrever gelo e neve do que um esquimó, você pode fazer todos os relatórios de tempo que quiser.

2. Evite prólogos

Eles podem ser irritantes, especialmente um prólogo depois de uma introdução que vem após um prefácio. Mas estes são normalmente encontrados em não-ficção. Um prólogo num romance é história de bastidores e você pode encaixá-las em qualquer lugar que você queira.

3. Nunca use um verbo além de “disse” para relatar o diálogo

A linha de diálogo pertence ao personagem: o verbo é o escritor metendo seu nariz. Mas “disse” é muito menos invasivo do que “resmungou”, “engasgou”, “advertiu”, “mentiu”. Uma vez, eu notei Mary McCarthy terminando uma linha de diálogo com “ela asseverou” e tive que parar de ler para consultar o dicionário.

4. Nunca use um advérbio para modificar o verbo “disse”

“… ele admoestou gravemente”. Usar um advérbio desta maneira (ou de quase qualquer outro jeito) é um pecado mortal. O escritor está agora expondo-se seriamente, usando uma palavra que distrai e pode interromper o ritmo da troca com o leitor. Uma personagem de um dos meus livros conta como ela costumava escrever romances históricos “cheios de estupros e advérbios”.

5. Mantenha os pontos de exclamação sob controle

Você não tem permissão para usar mais de dois ou três a cada 100 mil palavras em uma prosa. Se você tem a destreza para brincar com exclamações como o Tom Wolfe faz, você pode jogá-las aos punhados.

6. Nunca use as expressões “de repente” ou “o mundo desabou”

Esta regra não requer uma explicação. Eu tenho notado que os escritores que usam “de repente” tendem a exercer menos controle na aplicação dos pontos de exclamação.

7. Use dialeto regional, gírias, com moderação

Uma vez que você começa a soletrar foneticamente as palavras dos diálogos e a encher a página com apóstrofos, você não será capaz de parar. Observe a forma como Annie Proulx capta o sabor das vozes do Wyoming em seu livro de contos “Curto alcance”.

8. Evite descrições detalhadas dos personagens

Em “Colinas parecendo elefantes brancos”, de Ernest Hemingway, como o “americano e a menina com ele” se parecem? “Ela tirou o chapéu e o colocou sobre a mesa”. Esta é a única referência a uma descrição física na história e, ainda assim, vemos o casal e reconhecemos o tom de suas vozes, com nenhum advérbio à vista.

9. Não entre em muitos detalhes descrevendo lugares e coisas

A menos que você seja Margaret Atwood e possa pintar cenas com a linguagem, ou consiga descrever paisagens com o estilo de Jim Harrison. Mas, mesmo que você seja bom nisso, você não vai querer que as descrições levem a ação, o fluxo da história, a uma pausa.

10. Tente deixar de fora a parte que os leitores tendem a pular

Uma regra que me veio à mente em 1983. Pense no que você pula quando lê um romance: parágrafos grossos de prosa em que você vê palavras demais. O que o escritor está fazendo: ele está escrevendo, talvez recorrendo mais uma vez ao clima, ou então está na cabeça do personagem. O leitor não quer saber o que esse cara está pensando. Aposto que você não pula os diálogos.

Minha regra mais importante é uma que resume todas essas dez: se algo parece escrita, eu reescrevo.

 

 

 

 

5 respostas para “Elmore Leonard e suas 10 dicas de como escrever ficção”.

  1. Não consigo acompanhar as dicas, mas adorei o post, o que não é uma ficção

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    1. Obrigado pelo comentário – e adorei seu blog,, é muito lindo!
      Só não entendi pq não conseguiu acompanhar as dicas, elas não estão aparecendo?

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      1. Aparecem, sim querido. Acompanhar no sentido de alcançar a abrangência da dica, ter aquelas habilidades específicas para o ofício. Também gosto demais do teu blog.
        Super abraço

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  2. Aaaaah, Mariel, mas eu também não consigo – assim como você diz que não consegue. Queria eu ter um tiquinho do que tiveram Leonard, Heminghway, Machado de Assis, Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Drummond, Oscar Wilde… E de sua sensibilidade, evidentemente. Abraços!

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